22 de dezembro de 2004

BANDEIRA


Às vezes o coração se sente livre
Acha que pode tudo, esquece da
Sua liberdade parcial
Como uma bandeira em um mastro
Tremula, evolui lindamente
Mas, ao final do dia,
É recolhido, dobrado, guardado
Percebe, então, a efemeridade
Do seu livre arbítrio.

30 de outubro de 2004

Eleições 2004


A pior coisa de uma eleição é a campanha. É durante o decorrer da propaganda eleitoral, dos comícios e, principalmente, dos debates que os candidatos deixam aflorar seu pior e, talvez, mais primitivo sentimento: a competição. Afinal, foi graças a ela que nós, seres humanos, habitamos a Terra neste exato momento. Já imaginou, se fosse em outra época, termos que escolher quem governará nossa cidade nos próximos 4 anos: Tiranossauro rex ou Velociraptor; ou não tão longe assim, o homem de Neanderthal ou a Luzia...Seria uma escolha mais fácil, pois reza a lenda que a “arte” da dissimulação é 100% Homo sapiens. Até quando seremos obrigados a passar o dia ouvindo jingles compostos com o objetivo de alienar nosso pensamento e, conseqüentemente, influenciar nossa escolha. Eu não quero saber se o “Fulano” é a cara da cidade...desculpe prezado compositor, mas eu também sou a cidade e não tenho (espero, sinceramente, nunca ter) aquela cara (e olha que eu não sou nenhuma gatinha!!!). Não me interessa nenhum pouco ouvir que “a mulher e a criança vivem só de esperança”...perdão mais uma vez pela insistência (me sinto no direito, já que nos últimos meses tais palavras ficaram soando diariamente na minha cabeça sem que eu pedisse); eu sou mulher e já fui criança e, nestes dois momentos, tive que contar com algo bem mais concreto do que esperança para poder sobreviver de forma digna e responsável. Diferente do que a música sugere, eu não “quero alguém que me dê esperança”; eu quero alguém que não me trate como se eu fosse portadora de algum tipo de distúrbio mental que me impossibilitasse de desenvolver, pelo menos, o mínimo discernimento. Em um ponto, a canção acertou; “eu quero alguém que me dê alegria”, mas (posso estar enganada, apesar de acreditar que não estou) este alguém não é o prefeito...é meu futuro marido, são meus futuros filhos...de um prefeito eu espero outras coisas. Como pode alguém vender a idéia “vou te dar esperança, alegria, sou a cara da cidade, sou o nome da mudança tranqüila”, não apresentar absolutamente nenhuma proposta concreta (pois, convenhamos, “vou melhorar a saúde, vou melhorar o transporte, gerar mais empregos” não é o que se pode chamar de proposta) e, ainda assim, engambelar uma cidade como Porto Alegre, tão complexa, tão absurdamente esclarecida. Se Porto Alegre fosse um ser humano, seus pais estariam fazendo a clássica pergunta “onde foi que eu errei?”. Concordo que Porto Alegre não é a cidade mais perfeita do mundo (longe disso), mas ter que ouvir um homem contratado em cima de um carro de som, aos berros durante todos os dias (e o que é pior durante TODO O DIA) dizendo: “Agora é pra valer! A mudança ‘tá aí! É a esperança vencendo o terrorismo, a paixão vencendo o medo...este partido que ‘tá aí só planta o terror, o medo...há 16 anos não faz nada, nunca fez, Porto Alegre ‘tá igual, não muda, não melhora! Dia 31 vota na paixão, na mudança segura, chega de intolerância, de imposição.” Esses gritos são simplesmente uma afronta à inteligência de qualquer habitante. Das duas uma, ou este cidadão assumidamente contratado se mudou pra Brasília junto com o candidato em questão e voltou cego; ou esta criatura nunca foi de Porto Alegre. Eu, como porto-alegrense (não de nascimento, mas por adesão – nasci em Santa Maria e vim pra cá com 1 ano), me sinto ultrajada ao ver que, segundo o “locutor”, a coleta seletiva da minha cidade não existe; o Orçamento Participativo é uma balela, o Fórum Social Mundial é uma ilusão coletiva, o fato de Porto Alegre ser a capital brasileira com, ufa...vamos lá, menor índice de analfabetismo, menor índice de desemprego, melhor transporte público, melhor sistema educacional, melhor qualidade de vida, melhor índice de desenvolvimento humano, maior número de atendimentos hospitalares (incluindo pacientes não moradores de Porto Alegre) não significa absolutamente nada...nada...Eu, como porto-alegrense, não tenho mais nada a dizer...

12 de outubro de 2004

O Poço


Eu sei que, na maioria das vezes, quando projeto meus desejos para o futuro, é sempre para muito próximo da época a qual estou vivendo. Raramente imagino estar fazendo tal coisa daqui a uns quarenta anos...penso no máximo daqui a quarenta dias. Não consigo evitar! Chamam tal ânsia de imediatismo, mas não dá pra ser de outro jeito: quero mesmo para ontem, sem essa de “longo prazo” comigo.
Para aqueles que me vêem como uma pessoa intempestiva e imediatista, tenho uma grande surpresa...eu sei pensar em coisas que possam vir a se realizar em um futuro muito distante...só não acho graça nisso. Tudo que imagino ser possível só depois de muito tempo acabam caindo em um poço fundo existente dentro da minha consciência; este poço tem até nome, chama-se “e se não der”. É batata! Toda vez que penso: “tal coisa podia ser assim quando eu tiver dez anos mais velha”, pronto...o poço engole a idéia e a transforma em uma angústia que me atormenta durante dias. O “e se não der” é, por vezes, bem faminto, insaciável...esses dias ele degustou um de meus planos, o qual eu esperava realizar no final do ano que vem, como se não comesse há vários dias. Digeriu minha idéia em questão de minutos e, logo, arrotou a máxima: “não vai dar”. Ele tem me provado que não se alimenta somente de possibilidades remotas, de idéias mal pensadas, recém geradas...tem ingerido, sem restrições, uma variedade absurda de delícias produzidas por mim. Seguiu comendo, se empanturrando com os meus pensamentos; devorando, principalmente, partes as quais eu julgava indispensáveis.
Dia desses tentei, sem sucesso, enganá-lo: pensei em algo que eu nem queria muito concretizar, só pra ver se ele comia (claro! Assim, eu o teria mantido cheio e poderia voltar a pensar em coisas que realmente valessem a pena). Minha campanha foi um fracasso total; além de não ter comido o falso projeto, “e se não der” vomitou fragmentos de idéias antigas (de várias delas, devo confessar, já nem me recordava mais). Após sua abrupta regurgitação, olhou para mim e grunhiu: “estas porcarias já não me servem mais”. No início me senti meio insultada, porém, em seguida, me dei por conta do que ele quis dizer. Fui analisando cada meta, idéia, objetivo, sonho, plano, desejo dos quais ele havia se nutrido durante estes vinte e três anos... Adaptei algumas idéias, a fim de que se tornassem mais verossímeis em relação a minha atual realidade; reorganizei vários planos, aparentemente não mais tão impossíveis a curto prazo. Tive que sentar por um longo tempo e meditar acerca de alguns desejos e sonhos...a maioria deles não me parecia, assim, importantes, indispensáveis como, outrora, demonstraram ser. No entanto, a maior surpresa se deu quando resolvi rever meus objetivos e metas...percebi que havia tomado um rumo completamente diferente daqueles que tinha por certeza absoluta; eles pareciam de outra pessoa...
E eram mesmo! Pertenciam àquela garotinha que quis ser médica, veterinária, bióloga...que quis trabalhar cedo, dormir até tarde...que não queria gostar de quem não gostasse dela, mas que amou todas as pessoas com quem conviveu (por muito ou pouco tempo). Todos os elementos expelidos pelo poço estavam incompletos...faltavam partes das quais ele ainda não estava preparado para se desfazer... Ou será que “e se não der” acha que sou eu quem não estou preparada para recebê-los? Veremos...daqui alguns anos (espero que não demore!)

21 de julho de 2004

TER GARRA SEM TER GARRAS


Descrever-se é, antes de tudo, tentar fazer com que os outros nos vejam da forma como nós nos vemos. Pensando bem é um exercício interessante, visto que passamos boa parte de nossas vidas fazendo o caminho inverso: tentando parecer com a idéia que os outros têm de nós.
Comecei a roer unhas muito cedo, minha mãe costuma dizer que roía antes mesmo de ter dentes...será possível? O problema não era o fato de eu roer unhas por quaisquer motivos, mas o incômodo que tal “atividade” causava nos outros. Morávamos no mesmo prédio, então cuidar da vida alheia para alguns membros da minha família era um passatempo, comigo era diversão na certa. “Vai engolir uma unha um dia desses e furar as tripas”, afirmava a minha avó, que sempre se preocupara em cuidar de mim, mesmo que, para garantir seu sucesso, fosse preciso apelar para o terrorismo. “Isso aí estraga os dentes que é uma beleza”, repetia, de hora em hora, minha tia Neisa que, ironicamente, fumava mais de um maço de cigarros por dia demonstrando não se preocupar muito com seus próprios dentes. “Os dedos dela são engraçados, parecem cabeças de cobra!”, dizia meu primo Rafael, quando me apresentava de forma muito peculiar aos seus colegas; mal sabiam eles que o Rafa tomou mamadeira até os 10 anos e roia as unhas dos pés. “Isso não fica bem pra uma mocinha...olha só, tu não pode nem pintar as unhas”, aconselhava minha tia Carmem, manicure profissional, que não pôde me persuadir nem com a promessa de me conceder direito vitalício de usufruir suas habilidades gratuitamente. “Quando é que tu vai parar com isso?”, questionava a minha mãe com o rosto meio decepcionado; confesso que, se tal vício não me fosse tão necessário, teria largado só para não vê-la direcionar para as minhas mãos aquele olhar de pena...por ela eu teria mudado, mas não pude.
É engraçado como comentários que me entristeceram, hoje me fazem rir. Deve ser a máxima de que tudo na vida muda ou depende do ponto de vista...não é assim? Eu mudei, não rôo mais as unhas, parei literalmente da noite para o dia: passei a tarde na cadeira de espera do dentista roendo unhas, preocupada por ter que usar aparelho e no dia seguinte não roí, nem poderia se quisesse. Meus “vigilantes” nem perceberam, só quando minha tia, na presença deles, pronunciou: “Olha só...quem diria...vou fazer tuas unhas para que tu fique bem bonita”. Na verdade fui quem menos mudou; os outros mudaram tanto que nem moram mais em Porto Alegre enquanto eu continuo, inclusive, no mesmo bairro.
Eles mudaram tanto que nem me criticariam se tivessem me visto roer unhas no dia do casamento do meu único irmão; nem tentariam me assustar com histórias sobre tripas furadas se eu tivesse roído até os dedos enquanto assistia à quantidade absurda de filmes aos quais tive acesso até hoje (meu novo vício, mas este não incomoda ninguém...pelo menos eu acho que não!); não ficariam bravos se eu tivesse roído as unhas ao invés de ter corroído o coração no dia da morte do meu pai. Afinal, roeram todas as unhas deles quando a UFRGS divulgou o listão do vestibular...naquele dia a minha mãe gastou os dedos, ligando para todos eles e outros parentes e amigos a fim de compartilhar o orgulho da filha que era“bicho do mato” e agora é “bixo”. E quem diria, a dona Neusa, minha mãe, roeu as unhas quando a “Bicho Seco” (minha banda) foi fazer seu primeiro show em um bar no bairro Cidade Baixa e eu...nem liguei, deixa ela!

ISSO


É assim que acontece.
Nunca muda!
O barco pára, um só desce
O outro surta.
Quem disse que isso tem que ser vivido
Não soube ser vívido sem isso ter.
Quem disse nunca isso ter sentido
Pôde simplesmente isso não querer.
Quem pôde isso não querer?

E é o que aborrece
Nunca elucida!
O que vai, se esquece
O outro suscita.
Quem soube só viver sem ser temido
Não disse se tem medo de viver.
Se isso pôde sem querer ser mais querido
Quem sente isso nunca vai dizer.
Quem pode isso não querer?

CONVERSA DE BOTAS BATIDAS



Veja você
Onde é que o barco foi desaguar
A gente só queria o amor
Deus parece às vezes se esquecer
Pai não fala isso, por favor
Esse é só o começo do fim da nossa vida
Deixa chegar o sonho
Prepara uma avenida
Que a gente vai passar

Veja você
Quando é que tudo foi desabar
A gente corre pra se esconder
E se amar, se amar até o fim
Sem saber que o fim já vai chegar

Deixa o moço bater
Que eu cansei da nossa fuga
Já não vejo motivos
Pra um amor de tantas rugas
Não ter o seu lugar

Abre a janela agora
Deixa que o sol te veja
É só lembrar que o amor é tão maior
Que estamos sós no céu
Abre as cortinas pra mim
Que eu não me escondo de ninguém
O amor já desvendou nosso lugar
E agora está de bem

Diz quem é maior
Que o amor...
Me abraça forte agora
Que é chegada a nossa hora

Vem, vamos além
Vão dizer
Que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela
Vai cair..