30 de outubro de 2004

Eleições 2004


A pior coisa de uma eleição é a campanha. É durante o decorrer da propaganda eleitoral, dos comícios e, principalmente, dos debates que os candidatos deixam aflorar seu pior e, talvez, mais primitivo sentimento: a competição. Afinal, foi graças a ela que nós, seres humanos, habitamos a Terra neste exato momento. Já imaginou, se fosse em outra época, termos que escolher quem governará nossa cidade nos próximos 4 anos: Tiranossauro rex ou Velociraptor; ou não tão longe assim, o homem de Neanderthal ou a Luzia...Seria uma escolha mais fácil, pois reza a lenda que a “arte” da dissimulação é 100% Homo sapiens. Até quando seremos obrigados a passar o dia ouvindo jingles compostos com o objetivo de alienar nosso pensamento e, conseqüentemente, influenciar nossa escolha. Eu não quero saber se o “Fulano” é a cara da cidade...desculpe prezado compositor, mas eu também sou a cidade e não tenho (espero, sinceramente, nunca ter) aquela cara (e olha que eu não sou nenhuma gatinha!!!). Não me interessa nenhum pouco ouvir que “a mulher e a criança vivem só de esperança”...perdão mais uma vez pela insistência (me sinto no direito, já que nos últimos meses tais palavras ficaram soando diariamente na minha cabeça sem que eu pedisse); eu sou mulher e já fui criança e, nestes dois momentos, tive que contar com algo bem mais concreto do que esperança para poder sobreviver de forma digna e responsável. Diferente do que a música sugere, eu não “quero alguém que me dê esperança”; eu quero alguém que não me trate como se eu fosse portadora de algum tipo de distúrbio mental que me impossibilitasse de desenvolver, pelo menos, o mínimo discernimento. Em um ponto, a canção acertou; “eu quero alguém que me dê alegria”, mas (posso estar enganada, apesar de acreditar que não estou) este alguém não é o prefeito...é meu futuro marido, são meus futuros filhos...de um prefeito eu espero outras coisas. Como pode alguém vender a idéia “vou te dar esperança, alegria, sou a cara da cidade, sou o nome da mudança tranqüila”, não apresentar absolutamente nenhuma proposta concreta (pois, convenhamos, “vou melhorar a saúde, vou melhorar o transporte, gerar mais empregos” não é o que se pode chamar de proposta) e, ainda assim, engambelar uma cidade como Porto Alegre, tão complexa, tão absurdamente esclarecida. Se Porto Alegre fosse um ser humano, seus pais estariam fazendo a clássica pergunta “onde foi que eu errei?”. Concordo que Porto Alegre não é a cidade mais perfeita do mundo (longe disso), mas ter que ouvir um homem contratado em cima de um carro de som, aos berros durante todos os dias (e o que é pior durante TODO O DIA) dizendo: “Agora é pra valer! A mudança ‘tá aí! É a esperança vencendo o terrorismo, a paixão vencendo o medo...este partido que ‘tá aí só planta o terror, o medo...há 16 anos não faz nada, nunca fez, Porto Alegre ‘tá igual, não muda, não melhora! Dia 31 vota na paixão, na mudança segura, chega de intolerância, de imposição.” Esses gritos são simplesmente uma afronta à inteligência de qualquer habitante. Das duas uma, ou este cidadão assumidamente contratado se mudou pra Brasília junto com o candidato em questão e voltou cego; ou esta criatura nunca foi de Porto Alegre. Eu, como porto-alegrense (não de nascimento, mas por adesão – nasci em Santa Maria e vim pra cá com 1 ano), me sinto ultrajada ao ver que, segundo o “locutor”, a coleta seletiva da minha cidade não existe; o Orçamento Participativo é uma balela, o Fórum Social Mundial é uma ilusão coletiva, o fato de Porto Alegre ser a capital brasileira com, ufa...vamos lá, menor índice de analfabetismo, menor índice de desemprego, melhor transporte público, melhor sistema educacional, melhor qualidade de vida, melhor índice de desenvolvimento humano, maior número de atendimentos hospitalares (incluindo pacientes não moradores de Porto Alegre) não significa absolutamente nada...nada...Eu, como porto-alegrense, não tenho mais nada a dizer...

12 de outubro de 2004

O Poço


Eu sei que, na maioria das vezes, quando projeto meus desejos para o futuro, é sempre para muito próximo da época a qual estou vivendo. Raramente imagino estar fazendo tal coisa daqui a uns quarenta anos...penso no máximo daqui a quarenta dias. Não consigo evitar! Chamam tal ânsia de imediatismo, mas não dá pra ser de outro jeito: quero mesmo para ontem, sem essa de “longo prazo” comigo.
Para aqueles que me vêem como uma pessoa intempestiva e imediatista, tenho uma grande surpresa...eu sei pensar em coisas que possam vir a se realizar em um futuro muito distante...só não acho graça nisso. Tudo que imagino ser possível só depois de muito tempo acabam caindo em um poço fundo existente dentro da minha consciência; este poço tem até nome, chama-se “e se não der”. É batata! Toda vez que penso: “tal coisa podia ser assim quando eu tiver dez anos mais velha”, pronto...o poço engole a idéia e a transforma em uma angústia que me atormenta durante dias. O “e se não der” é, por vezes, bem faminto, insaciável...esses dias ele degustou um de meus planos, o qual eu esperava realizar no final do ano que vem, como se não comesse há vários dias. Digeriu minha idéia em questão de minutos e, logo, arrotou a máxima: “não vai dar”. Ele tem me provado que não se alimenta somente de possibilidades remotas, de idéias mal pensadas, recém geradas...tem ingerido, sem restrições, uma variedade absurda de delícias produzidas por mim. Seguiu comendo, se empanturrando com os meus pensamentos; devorando, principalmente, partes as quais eu julgava indispensáveis.
Dia desses tentei, sem sucesso, enganá-lo: pensei em algo que eu nem queria muito concretizar, só pra ver se ele comia (claro! Assim, eu o teria mantido cheio e poderia voltar a pensar em coisas que realmente valessem a pena). Minha campanha foi um fracasso total; além de não ter comido o falso projeto, “e se não der” vomitou fragmentos de idéias antigas (de várias delas, devo confessar, já nem me recordava mais). Após sua abrupta regurgitação, olhou para mim e grunhiu: “estas porcarias já não me servem mais”. No início me senti meio insultada, porém, em seguida, me dei por conta do que ele quis dizer. Fui analisando cada meta, idéia, objetivo, sonho, plano, desejo dos quais ele havia se nutrido durante estes vinte e três anos... Adaptei algumas idéias, a fim de que se tornassem mais verossímeis em relação a minha atual realidade; reorganizei vários planos, aparentemente não mais tão impossíveis a curto prazo. Tive que sentar por um longo tempo e meditar acerca de alguns desejos e sonhos...a maioria deles não me parecia, assim, importantes, indispensáveis como, outrora, demonstraram ser. No entanto, a maior surpresa se deu quando resolvi rever meus objetivos e metas...percebi que havia tomado um rumo completamente diferente daqueles que tinha por certeza absoluta; eles pareciam de outra pessoa...
E eram mesmo! Pertenciam àquela garotinha que quis ser médica, veterinária, bióloga...que quis trabalhar cedo, dormir até tarde...que não queria gostar de quem não gostasse dela, mas que amou todas as pessoas com quem conviveu (por muito ou pouco tempo). Todos os elementos expelidos pelo poço estavam incompletos...faltavam partes das quais ele ainda não estava preparado para se desfazer... Ou será que “e se não der” acha que sou eu quem não estou preparada para recebê-los? Veremos...daqui alguns anos (espero que não demore!)